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O STF e suas oscilações



O Código de Processo Penal de 1940, ainda vigente mas todo remendado, determinava no art. 393, inciso I que era efeito da sentença condenatória recorrível ser o réu preso. Quando o juiz de primeira instância condenava alguém já mandava prendê-lo. Não precisava a sentença ser confirmada por tribunal. O sistema era duro, mas condenado, ainda com direito a recurso, iam para trás das grades. Entretanto a lei não atingia os ricos, poderosos e delinquentes do colarinho branco; só pobres, negros e desvalidos. A imunidade parlamentar era ilimitada e detentores de mandatos só poderiam ser processados se a casa parlamentar autorizasse. Nunca autorizaram. O foro privilegiado sempre foi o escudo para a impunidade. Durante o governo Médici, havia um colaborador do regime, delegado Fleury, que ficou conhecido por sua atuação violenta e foi acusado de tortura e homicídio de inúmeras pessoas pelo Ministério Público.

Um juiz o sentenciou e mandou prendê-lo. Sobreveio a lei 5.941/73 que permitiu ao réu apelar em liberdade, se primário e com bons antecedentes, uma lei feita para ele, tanto que é conhecida como lei Fleury. Sobreveio a constituição de 1988 e estabeleceu a presunção de inocência, estabelecendo que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença. Com base nesse princípio se passou a acreditar que, sem o trânsito em julgado da sentença, ninguém pode ser preso, mesmo condenado pela segunda instância. O STF oscilou nesse período de um lado ao outro. Mais de 10 anos depois da carta magna, em 5 de fevereiro de 2009, o STF no HC 84.078-7/MG, rel. Eros Grau, decidiu que era necessário transitar em julgado a sentença condenatória para que a pena pudesse ser executada. Em outras palavras, se o acusado recorresse ao STJ e ao STF, era preciso aguardar a última instância para, daí, iniciar a execução da pena. No HC 126.292 em 2.016, o mesmo STF definiu que uma condenação em segundo grau pode ser imediatamente cumprida sem necessidade de aguardar-se o exame de recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF. Essa posição tem tirado o sono dos poderosos - empresários e políticos - que agora querem, dois anos depois, alterar a posição do STF e aplicar, em última análise, a lei Fleury do governo militar.

O que a Constituição determina é que ninguém será considerado culpado sem o trânsito em julgado da sentença. A carta não estabelece que "ninguém será preso" antes do trânsito em julgado. São coisas diversas. O STF considerou possível prender por 6x5. Parece que a nova composição se alterou e os 6x5 pendem para o outro lado. Novamente uma norma vai ser produzida para atender a uma pessoa. Na prática, a reiteração de recursos leva à prescrição e impunidade. Para dar apenas um exemplo, a defesa de Luiz Estevão apresentou 21 recursos e 11 habeas corpus.

A demora foi-lhe vantajosa, pois levou à prescrição das penas relativas aos crimes de formação de quadrilha e de uso de documento falso. Há estudos de Direito comparado que noticiam que apenas o Brasil adota quatro instâncias recursais para ser preso. Mesmo o Pacto de São José da Costa Rica considera a presunção de inocência enquanto não se comprove a sua culpa com direito de recorrer da sentença para juiz ou Tribunal superior - art. 8, itens 2 e alínea "h".

Portanto, dá direito a duas instâncias e não exige o trânsito em julgado da sentença definitiva para ser preso. Uma palavra para as vítimas e seus parentes: Exigir que esperem 15 ou 20 anos o julgamento do autor de um crime é submetê-las a muito sacrifício, quando não premiados pela prescrição e impunidade; Pior. Quando a vítima é a sociedade, por crimes contra entes públicos, a impunidade atinge a todos. O que precisamos é de efetividade do processo e da justiça. As pessoas precisam acreditar na justiça e concluírem que ela é igual para todos; com o rigor e as benesses para todos, indiscriminadamente. Mas nem sempre é assim.

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